08 abril 2009
quiver ii
O filme é de 1965, realizado por William Wyler, e o título original era The Collector traduzido para português, como é costume, como O Obcecado. Na verdade, a tradução até é acertada. Vi o filme há muitos anos atrás, provavelmente num serão de RTP 2 quando ainda só haveria 2 ou, na melhor das hipóteses, 4 canais nos feixes hertzianos nacionais. Não consigo precisar a data em que o vi pela primeira vez mas, o filme marcou-me pela força psicológica do enredo e pela prestação de Terence Stamp no papel de Freddie Clegg, um coleccionador de borboletas que numa deturpação do enamoramento rapta a jovem Miranda Grey e mantém-na fechada numa cave na esperança de que esta se apaixone por ele. Um filme que seria hoje muito kampuschiano, mas absolutamente extraordinário. No fundo é a história de uma paixão transformada em obsessão e o que somos nós, bodyboarders, se não eternos condenados à obsessão das ondas, do mar, do sal e do ar do oceano… Apanhar a primeira onda tem tanto de sublime como de condenação, nunca nada será como antes e toda a nossa vida futura será condicionada por esse ímpeto, por essa emoção, de apanhar outra onda, e mais outra, e outra ainda, só mais uma. Para muitos de nós essa obsessão é levada para fora de água e sucumbimos ao apelo das revistas, dos filmes, das conversas, dos blogues sobre ondas. Para outros ainda, como eu, é a arrecadação compulsiva de pranchas, de todas as pranchas, num esforço que tem tanto de inglório e de infantil como de filosófico, de preservar, como num álbum, como num frasco de clorofórmio, as memórias, as emoções, de cada onda. Coleccionar pranchas é a tentativa infrutífera de coleccionar ondas. Como se em cada vinco, cada cova no deck, em cada pedaço amarelo e ressequido de wax, se guardasse uma manobra, um tubo, um drop gigante, uma conversa entre sets, uma viagem, um amigo de infância. Cada prancha é um pedaço de vida e o esforço por as guardar é no fundo a tentativa de construção de nós, daquilo que nos faz ser quem somos. Diz-me as tuas pranchas dir-te-ei quem és. Vou vos contar das minhas pranchas…
Excelente crónica!
ResponderEliminarB