27 março 2025

O Nuno nunca soube quem o ajudou

 

O cirurgião que ficou paraplégico não encontra o homem que o salvou  na manhã de 29 de setembro 2021

1.

A manhã tinha sido perfeita. 

O Nuno costumava ir com a sua prancha àquela praia de Peniche – as ondas eram boas e o bodyboard tranquilizava-o. 

Em cima das ondas tudo parecia relativo. 

Os problemas passavam a não ter tanta importância, o stress no hospital onde era cirurgião geral era compensado, os pensamentos circulavam-lhe com mais velocidade. 

Naquela manhã de 29 de setembro de 2021, o doutor Nuno Barahona Abreu estava particularmente contente. 

Sentia-se livre. 

Quase como se fosse um pássaro ou um peixe. 

2.

Deixou-se cair sem se proteger e bateu com a cabeça no chão. 

Perdeu os sentidos sem os perder. 

Deixou de sentir o corpo, mas o fato puxou-o para cima. 

Esteve vários minutos a boiar no fato, à espera que alguém o ajudasse a sair dali, mas sem esperar que acontecesse. 

Nuno pensou que chegara ao fim, ocorreu-lhe que já estivesse morto quando alguém o tirou do mar. 

Se não o tivesse tirado naquele momento uma onda tê-lo-ia engolido para sempre. 

3.

Foi salvo, mas fraturou a coluna cervical e a medula foi atingida. 

Nuno, cirurgião e amante do desporto e da liberdade – quer fosse a remar, quer fosse a lutar artes marciais, quer fosse no surf, ele procurava uma outra respiração, mais camadas de si próprio, talvez um pouco mais de sentido e de foco. 

Quando acordou nos cuidados intensivos nenhum médico teve de lhe dizer alguma coisa, o Nuno instintivamente soube o que lhe acontecera. 

Ao abrir os olhos viu a sua mulher. 

Viu-lhe o sorriso e as lágrimas.

E reuniu toda a força que conseguiu para lhe dizer: “Não quero que passes por isto. Quero que te vás embora, não te quero ver mais”. 

4.

Marisa nem o ouviu. 

Ficou.

E nestes anos tem feito tudo pela reabilitação de Nuno. 

Um caminho lento que nunca terá um fim. O cirurgião nunca mais poderá voltar a operar ou a fazer surf ou artes marciais ou remo, mas está melhor. 

Na cadeira de rodas é quase autónomo. 

E deve-o ao amor de Marisa e ao homem que o salvou. 

Alguém que tenta desesperadamente encontrar para lhe agradecer. 

Já o procurou, já destacou amigos para saber quem poderia ser, mas nenhum surfista conhece o anjo que, naquela manhã, aparentemente perfeita, apareceu em Peniche para oferecer uma segunda vida a quem perdera a esperança.

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